29 ago Como usar legítimo interesse no tratamento de dados pessoais?
Advogado diz que só em casos excepcionais este mecanismo deve ser utilizado pelas empresas
O tratamento de dados pessoais é um processo em aumento constante. As informações estão por todos os lados, trazem benefícios, facilitam a vida, mas também geram preocupações. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) assegura os direitos dos titulares, mas abre brecha para uso das informações sem consentimento dos titulares no caso de legítimo interesse pelos controladores.
O advogado Luiz Felipe Calábria Lopes (foto), do escritório Lima Netto Carvalho Abreu Mayrink, diz que este mecanismo deve ser usado só em casos especiais, quando a obtenção de consentimento não for possível ou representar um ônus ainda maior. “O legítimo interesse é uma hipótese excepcional para tratamento de dados pessoais. Se o tratamento realizado pela empresa puder ser justificado com base em outras possibilidades legais (como o cumprimento de obrigação legal ou o de contrato com o titular), é recomendável que dê preferência a elas”, afirma.
Segundo o profissional, em regra, o legítimo interesse é utilizado para substituir a obtenção de consentimento do titular nos casos em que isto não se mostra adequado para o bom funcionamento da empresa, normalmente, em razão do grande volume de permissões necessárias ou da dificuldade de contatar os titulares e manter registro de cada uma das autorizações. “Por isso, se o tratamento for pontual e reduzido a poucos titulares, prefira, se possível, obter o consentimento.”
Ele explica que, caso a autorização prévia não seja possível, é recomendável fazer o teste de balanceamento para verificar se o interesse da empresa é legítimo, se a finalidade do tratamento é específica e explícita, se os dados são necessários para atender a finalidade e se a empresa aplicou medidas de segurança razoáveis para proteção dos dados e dos interesses dos titulares.
“Antes de iniciar o tratamento com base no legítimo interesse, é preciso, ainda, elaborar um relatório, no qual ficarão registradas as principais características do tratamento, a justificativa para uso do legítimo interesse e as medidas de segurança aplicadas pela empresa”, informa Luiz Felipe Calábria. De acordo com ele, este relatório poderá ser exigido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) a qualquer momento e servirá como evidência de que a empresa examinou a situação e tomou as cautelas apropriadas.
O advogado relata que o legítimo interesse pode ser aplicado pelas empresas como fundamento legal para o tratamento de informações pessoais em qualquer situação, com exceção de dados sensíveis. “São aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.”
Luiz Felipe Calábria acrescenta que o legítimo interesse pode ser usado também para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, mas somente se isso atender ao melhor interesse deles. “Ou seja, se outras hipóteses legais de tratamento de dados forem mais adequadas para proteger a criança ou o adolescente, a empresa deverá evitar o uso do legítimo interesse.” Além disso, segundo ele, ao fazer o teste de balanceamento, a empresa deverá ter especial cuidado com as medidas de segurança para evitar ou reduzir riscos ou impactos desproporcionais ou excessivos para a criança ou o adolescente.
Qual o risco de utilizar o legítimo interesse? “É o uso equivocado, seja porque os dados tratados são sensíveis, seja porque o interesse não é legítimo, a finalidade não é específica e explícita, os dados não são necessários para aquele tratamento ou, ainda, por não ter a empresa aplicado as medidas de segurança adequadas”, responde o advogado. Ele diz que, nestes casos, a ANPD pode considerar que o tratamento de dados foi realizado de forma irregular e instaurar processo administrativo para aplicação de penalidades, que variam de acordo com a gravidade do incidente e vão de advertência e multas à proibição (total ou parcial) da atividade de tratamento de dados.
Ele lembra ainda que, pelo Guia Orientativo das Hipóteses Legais de Tratamento de Dados Pessoais – Legítimo Interesse, da ANPD, lançado em 2024, o tratamento de dados com respaldo no legítimo interesse deve ser precedido de um teste de balanceamento. “Trata-se de uma ponderação entre a legitimidade do interesse, a necessidade do tratamento, os impactos sobre os direitos dos titulares e suas legítimas expectativas.”