O coronavírus e os efeitos nos contratos privados
Em regra, as partes de um contrato são obrigadas a cumprir o pactuado. No entanto, no caso de contratos privados, o Código Civil prevê algumas exceções. Considerando os impactos do Coronavírus na economia, é importante conhecê-las:
– Suspensão da execução contratual por “exceção do contrato não cumprido”. O art. 476 do Código Civil prevê que uma das partes não estará obrigada a cumprir sua parte se a outra parte se recusar a cumprir a sua obrigação. Assim, por exemplo, o fornecedor de matéria prima não é obrigado a entregar o produto, se o comprador se recusa a pagar o preço.
O art. 477 do Código Civil também garante o direito de uma parte suspender a execução do contrato, se a outra parte sofrer uma diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou. Portanto, se o estabelecimento do fornecedor é destruído por uma enchente, o comprador pode se recusar a pagar o preço até que o fornecedor entregue o insumo ou dê garantias de que irá entregá-lo.
– Extinção ou revisão do contrato por “onerosidade excessiva”. O art. 478 do Código Civil prevê que o devedor pode pedir judicialmente a extinção de um contrato se, depois da celebração deste, ocorrer desequilíbrio excessivo entre o valor da prestação e da contraprestação em razão de fato extraordinário e imprevisível. Seria o caso de um contrato de transporte de mercadorias que seria feito por rodovia, mas, após a assinatura do contrato, a rodovia é destruída e a alternativa (transporte aéreo) é muito mais cara e, por isso, a continuidade do contrato implicaria prejuízo para o transportador.
Ao invés da extinção do contrato, qualquer das partes pode optar pela revisão das condições inicialmente pactuadas, o que pode ser feito por renegociação entre as partes ou ação judicial de revisão contratual (art. 479 do Código Civil).
– Revisão do contrato pela “teoria da imprevisão”. O art. 317 do Código Civil prevê que, quando motivos imprevisíveis causarem desproporção entre o valor da prestação no momento da assinatura do contrato e no momento de sua execução, o juiz poderá corrigir essa desproporção. Por exemplo, se, entre o momento da compra e o momento do pagamento, o valor de determinada mercadoria sofre intensa modificação em razão de algo imprevisível (como a criação de um imposto alto e não cogitado), a parte prejudicada pode pedir ao juiz que restaure o equilíbrio.
– Isenção de responsabilidade por “força maior” ou “caso fortuito”. Força maior e caso fortuito são eventos que ocorrem após a celebração do contrato e impedem o cumprimento de determinada obrigação. Diferentemente da “onerosidade excessiva”, não há mera dificuldade para cumprimento ou desequilíbrio entre as prestações. A força maior e o caso fortuito tornam a obrigação impossível de ser cumprida. Nesses casos, além de não ser possível exigir o cumprimento da obrigação, o art. 393 do Código Civil prevê que o devedor também não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito e força maior, salvo se tiver se responsabilizado expressamente por eles.
No caso do Coronavírus, ainda há muitas incertezas e não se sabe como os tribunais interpretarão os efeitos da pandemia nos contratos. Uma questão que certamente gerará muito debate é a imprevisibilidade da doença, visto que, nos últimos anos, ocorreram outros surtos epidemiológicos (gripe suína, gripe aviária, H1N1, etc.).
Outro ponto de discussão será o impacto do Coronavírus sobre cada contrato em particular: haveria impossibilidade de cumprimento do contrato ou mera dificuldade? No segundo caso, a dificuldade seria excessiva ou razoável de ser suportada pelo devedor?
Por fim, lembre-se que as exceções previstas no Código Civil não se aplicam a situações regidas por leis especiais, como é o caso de contatos de consumo (reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor), contratos de trabalho (sujeitos à Consolidação das Leis Trabalhistas) e contratos públicos (regidos pela Lei de Licitações, Lei de Concessões, Lei de PPP, dentre outras).