
27 jun A Recaracterização da Residência Fiscal e os Limites da Permanência no Brasil após a Declaração de Saída Definitiva: Aspectos Jurídico-Tributários
Nos últimos anos, o fenômeno da emigração de cidadãos brasileiros tem se intensificado. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, que fazem parte do documento “Comunidades Brasileiras no Exterior”, elaborado pelo Itamaraty, indicam que, em 2022, mais de 4,5 milhões de brasileiros residiam no exterior.
Esse crescente fluxo migratório internacional tem gerado implicações jurídicas relevantes no campo tributário, especialmente no tocante à residência fiscal. Nos termos da legislação tributária vigente, os residentes fiscais no Brasil estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda sobre todos os seus rendimentos e ganhos de capital auferidos tanto em território nacional quanto no exterior, sem distinção quanto à origem, natureza ou denominação jurídica das receitas.
Assim, mesmo após deixar o país, o contribuinte continuará sendo considerado residente fiscal no Brasil, enquanto não formalizar a comunicação e a declaração de saída junto à Receita Federal.
O contribuinte que deseja ser reconhecido como não residente fiscal deve cumprir duas exigências junto à Receita Federal: a Comunicação de Saída Definitiva do País (CSDP) e a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). O primeiro documento deve ser entregue até o fim de fevereiro do ano seguinte à saída; o segundo, até o último dia útil de abril do ano seguinte ao da saída. A inobservância dessas exigências mantém o contribuinte como residente fiscal, sujeitando-o à dupla tributação de sua renda.
Nas situações em que o contribuinte deixa o território nacional com a intenção de estabelecer residência permanente no exterior, sem, contudo, comunicar formalmente tal circunstância à Receita Federal do Brasil (RFB) — mediante a apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País (CSD) e, subsequentemente, da Declaração de Saída Definitiva do País (DSD) —, sua condição de residente fiscal será mantida por até 12 (doze) meses consecutivos, a contar da data de sua efetiva saída do Brasil.
Durante esse período, o contribuinte permanecerá sujeito às obrigações fiscais atribuídas aos residentes fiscais no país, incluindo a apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e ao recolhimento dos tributos correspondentes aos rendimentos auferidos globalmente.
Uma vez formalizada a condição de não residente fiscal no Brasil, o contribuinte estará submetido ao regime tributário aplicável aos não residentes, o qual prevê, entre outros aspectos, a incidência do imposto de renda exclusivamente sobre rendimentos de fonte situada no Brasil, tais como aluguéis e dividendos.
Por outro lado, os rendimentos auferidos no exterior não estarão sujeitos à tributação no Brasil, passando a ser tributados exclusivamente de acordo com a legislação vigente no país de residência do contribuinte.
Superada essa fase e formalizada a condição de não residente, é comum que uma pessoa que já adquiriu a condição de não residente fiscal, resolva retornar ao Brasil, por motivos pessoais (visitar parentes, viajar etc.), porém a sua estada não possui natureza definitiva. Nessas situações, é fundamental observar os limites legais de permanência, para evitar a recaracterização automática da residência fiscal.
Nos termos da Instrução Normativa RFB nº 208/2002, especificamente em seu artigo 3º, inciso II, conjugado com o artigo 2º, inciso V, duas são as hipóteses legais de caracterização da residência fiscal no Brasil: (i) o retorno com ânimo definitivo (art. 2º, IV); ou (ii) a permanência física no país por mais de 183 dias dentro de qualquer intervalo de 12 meses (art. 3º, II), independentemente de visto ou da intenção subjetiva de retorno.
Portanto, ainda que ausente o ânimo definitivo, a ultrapassagem do limite temporal previsto na norma regulamentar acarreta a reclassificação do contribuinte como residente fiscal, com efeitos a partir do 184º dia de permanência em solo nacional. Tal reclassificação implica a incidência do Imposto de Renda sobre todos os rendimentos, inclusive os auferidos no exterior, além da obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF) relativa ao ano-calendário da reclassificação.
Diante desse cenário, é recomendável que contribuintes com status de não residentes fiscais monitorem cuidadosamente seu período de estada no Brasil. Caso seja previsível ou inevitável a permanência superior a 183 dias, sugere-se a regularização espontânea da condição de residente fiscal, medida que pode atenuar eventual responsabilização por infrações tributárias.
Adicionalmente, é aconselhável a conservação de documentação que comprove eventual situação de força maior ou de caráter emergencial da permanência, a qual poderá ser utilizada em possível impugnação administrativa ou medida judicial. Em casos justificados, pode-se considerar o ajuizamento de ação declaratória ou mandado de segurança preventivo com o intuito de postergar os efeitos da reclassificação fiscal.
A atuação jurídica preventiva, fundada em planejamento tributário adequado, interpretação normativa e eventual provocação do Poder Judiciário, mostra-se fundamental para mitigar riscos fiscais e proteger os interesses patrimoniais dos contribuintes submetidos a regimes de mobilidade internacional.
Advogada Laila Lucia de Freitas Santos