Gestão de trabalho remoto fora do País coloca à prova cultura organizacional - Lima Netto Carvalho Abreu Mayrink
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Gestão de trabalho remoto fora do País coloca à prova cultura organizacional

Gestão de trabalho remoto fora do País coloca à prova cultura organizacional

Pós-pandemia, gestão do trabalho remoto hoje é realidade e se opõe a uma cultura anterior, de controle e comando

A pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2022, exigiu que boa parte das empresas revisse seus modelos de trabalho e passassem a adotar, em alguma medida, modelos de trabalho a distância, seja o teletrabalho, o trabalho remoto – que ganhou o apelido de home office -, ou o híbrido. Com isso, empresas brasileiras tiveram acesso a trabalhadores qualificados em todo o mundo, sem, necessariamente, precisar trazê-los para o País para contar com o talento deles. Assim, a gestão do trabalho remoto passou a fazer parte do dia a dia de gestores formados em uma cultura anterior, de controle e comando.

Uma verdadeira revolução na cultura organizacional começava ali e hoje inclui gerir pessoas em diferentes países, culturas, fusos horários e com valores e expectativas bastante distintas. Tudo isso, sem se descuidar da burocracia pertinente à legislação trabalhista brasileira e dos respectivos países de onde os trabalhadores prestam serviço.

De acordo com a especialista em direito trabalhista e advogada do escritório Arbach & Farhat Advogados, Caroline Garcia, antes da pandemia, o Brasil não regulamentava o trabalho remoto (o que pode ser feito de qualquer lugar), mas apenas o teletrabalho (o que pode ser realizado de casa ou apenas de outra base fora do escritório ou unidade produtiva).

“Antes tínhamos regulamentado o teletrabalho, mas não existia esse grande fluxo de trabalhadores nessa condição. Via de regra, usávamos a Súmula 207, do TST (Tribunal Superior do Trabalho), porém ela foi cancelada. Quando a empresa brasileira ou a unidade brasileira de uma multinacional contrata alguém fora, ela precisa manualizar algumas questões como o controle da jornada, por exemplo. Mas, de modo geral, ela vai seguir a legislação brasileira que rege os outros tipos de trabalho. Esse é um ponto importante porque, ainda que o contrato aponte um outro fórum para a discussão de questões trabalhistas, a legislação brasileira se sobrepõe a essa indicação. O nosso direito trabalha, assim como a maioria dos países europeus, com a ‘Teoria do Conglobamento’, que tem como princípio adotar a legislação mais favorável ao trabalhador na resolução dos conflitos. E, na maioria dos casos, essa legislação mais favorável é a brasileira”, explica Caroline Garcia.

Está na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 4931/2022 que visa regulamentar o trabalho transnacional. O PL prevê que sempre a lei observada será a do país sede da empresa, independentemente da origem do trabalhador ou de onde ele estiver trabalhando. Isso ganha importância, principalmente, no caso dos nômades digitais – trabalhadores que estão sempre em viagem, trabalhando de diversos lugares do mundo em curtos espaços de tempo.

“A nova lei, sendo aprovada, não muda muito o que já acontece no dia a dia, mas ela dá mais segurança jurídica tanto para as empresas brasileiras como para as estrangeiras com unidades aqui. Isso diminui os riscos e evita discussões e conflitos longos, desnecessários e custosos para todos os lados”, pontua a advogada.

Além dos aspectos jurídicos, as empresas precisam cuidar também da chamada experiência do colaborador ou employee experience. E não é só cuidar da gestão do colaborador que está distante da sede, mas de toda a equipe, independentemente se ela lida ou não com o colega que está em trabalho remoto.

Para a presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Eliane Ramos, a primeira mudança na empresa deve ser a estrutural, capaz de rever as velhas práticas de comando e controle.

“A empresa precisa, ao mesmo tempo, conduzir mudanças operacionais e no mindset. É fundamental incluir a liderança nisso. Quando essa operação é mais descentralizada, envolve questões práticas, como ferramentas digitais que possibilitem a transição, infraestrutura para a segurança dos dados, entre outros pontos. Tudo tem que estar em conformidade com as regulamentações. Ao mesmo tempo, os colaboradores têm que estar bem informados sobre a mudança sobre as regras e se adaptar essa nova cultura. E, claro, a liderança sempre apoiando e motivando que isso aconteça. A gente tem que ter um equilíbrio entre uma gestão mais humanizada, de escuta ativa, uma gestão do cuidado e uma comunicação justa para as pessoas que estão em diferentes cepas”, analisa Eliane Ramos.

Em Belo Horizonte, o escritório Lima Netto Carvalho Abreu Mayrink Sociedade de Advogados viu uma de suas principais colaboradoras se mudar, por questões pessoais, para os Estados Unidos. Para não perder aquele talento, foi feito um acordo para uma primeira experiência a distância. Hoje, passado o período de adaptação e com o sucesso da experiência, o sócio do escritório, Cristiano Mayrink, já aceita repetir o desafio.

“Não sofremos com uma dificuldade comum nesses casos, que é o fuso horário. Temos uma ou duas horas na frente, dependendo se estamos em horário de verão ou não. Outro ponto a nosso favor, é que como ela era uma colaboradora com mais de 10 anos de casa, não houve uma dificuldade em relação à cultura da empresa, mas existiu, sim, alguma perda no relacionamento com os liderados, especialmente logo no início. Hoje existe um ferramental tecnológico que permite uma interação de qualidade. Fazemos reuniões on-line semanais de alinhamento e sempre que necessário entramos em contato imediatamente. Se fosse antes da pandemia, teríamos uma maior resistência a essa solução, mas não perderíamos a profissional. Já tínhamos uma experiência parecida com sócios que tinham ido fazer mestrado no exterior antes da pandemia, mas eram outros tempos e a mentalidade era muito diferente de hoje. Essa opção é importante para reter talentos. Temos que ser mais flexíveis se quisermos contar com pessoas qualificadas. Para cargos estratégicos eu repetiria a experiência que tem sido bastante exitosa”, afirma Mayrink.

Com escritórios em Belo Horizonte e São Paulo, a EstrelaBet tem colaboradores em diversos países da Europa e também no interior do Brasil, distante dos escritórios. Segundo o head of People and Culture da EstrelaBet, Gabriel Santos, o segredo para uma boa gestão de trabalhadores remotos, especialmente fora do Brasil, é o mapeamento dos processos e estabelecimento de metas claras e acompanhamento constante, sem que isso se torne uma prática que invada a privacidade e diminua a autonomia do colaborador.

“Antes da pandemia esse movimento de contratação fora da cidade-base já existia e nós perdíamos colaboradores brasileiros para empresas estrangeiras. O que temos hoje é uma revolução social. O que mudou foram as opções. No passado não havia tantas opções para trabalhar em grandes empresas. Hoje a empresa tem que agregar outros valores além da remuneração para manter o colaborador. Na EstrelaBet temos vários casos, como brasileiros que viraram nômades e de estrangeiros trabalhando em outro país que não é o de origem e nem o Brasil. Temos, por exemplo, um dinamarquês trabalhando da Grécia. O que aprendemos é que existem algumas questões culturais e outras estruturais que atrapalham. Para a questão do fuso horário, estabelecemos uma comunicação assíncrona que tem funcionado muito bem. Investimos em ferramentas que monitoram os ciclos de entrega das tarefas. Os processos devem ser mapeados, documentados e comunicados. E é necessário fazer uma boa integração desses colaboradores remotos com o restante da equipe. Hoje fazemos questão de ter, pelo menos, um evento anual para reunir todo mundo presencialmente. Esse é um momento especial que precisa ser aproveitado ao máximo, gerando não apenas satisfação no trabalho como também pessoal. Ele precisa se justificar pelo aspecto do tempo, do custo e das questões ambientais envolvidas”, destaca Santos.

Ser uma nativa digital, em certo grau, facilita para a Vurdere – plataforma de engajamento para comércio eletrônico – no estabelecimento de uma cultura corporativa que comporte trabalhadores em diferentes países. Isso, porém, segundo o cofundador da Vurdere, Daniel Pisano, não o desobriga de cuidar para que a gestão seja ajustada e transformada em diferencial competitivo na batalha global por talentos.

A empresa tem sede na Holanda e escritório virtual em São Paulo. Os clientes estão espalhados pela Europa e América do Sul.

“Temos que fazer interações com qualidade e frequência para garantir a comunicação. Utilizamos muito as videoconferências. O principal é utilizar ferramentas que proporcionem uma gestão capaz de estabelecer metas claras e acompanhar os processos. Enquanto as big techs estão levando os colaboradores de volta para os escritórios, vejo que as empresas que fazem uma boa gestão do trabalho remoto estão criando um diferencial para atrair e manter bons talentos no mundo todo”, completa Pisano.

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