
26 maio Alienação fiduciária e a desburocratização do mercado imobiliário
A alienação fiduciária consolidou-se como uma das principais garantias contratuais no Brasil, especialmente no setor imobiliário. Regulamentada pela Lei nº 9.514/1997, essa modalidade oferece mais segurança jurídica e eficiência nas transações, sendo amplamente utilizada em financiamentos de imóveis. Recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe um importante avanço ao reafirmar a possibilidade de formalização por contrato particular, promovendo a desburocratização do mercado e ampliando o acesso ao crédito.
Na alienação fiduciária de bem imóvel, o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel do imóvel. Ou seja, a titularidade do bem fica temporariamente com o credor até que a dívida seja quitada. Durante esse período, o devedor permanece com a posse direta do imóvel, podendo utilizá-lo normalmente. Após o pagamento, a propriedade plena retorna ao devedor.
Essa estrutura proporciona ao credor maior segurança e mecanismos eficazes de recuperação do bem em caso de inadimplência, sem a necessidade de um processo judicial demorado, como ocorre com a hipoteca. Ao mesmo tempo, o devedor também se beneficia de regras claras e prazos definidos, o que confere previsibilidade à relação contratual.
A Lei nº 9.514/97, em seu artigo 38, prevê expressamente que a alienação fiduciária pode ser formalizada por escritura pública ou por contrato particular com efeitos de escritura pública. Essa disposição foi criada para facilitar o uso do instrumento e reduzir custos para as partes, evitando a exigência de escritura pública em todos os casos.
Na prática, a possibilidade de firmar contrato particular é extremamente vantajosa, principalmente para empresas do setor privado que atuam fora do sistema financeiro tradicional. A escritura pública envolve custos cartorários altos e pode tornar as transações mais lentas e onerosas.
Apesar da clareza da lei, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em junho de 2024, um provimento que restringiu a possibilidade de formalização da alienação fiduciária por instrumento particular apenas a instituições financeiras autorizadas a operar no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), no Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cooperativas de crédito, companhias securitizadoras e agentes fiduciários regulamentados pela CVM ou pelo Banco Central.
Essa medida excluiu da regra incorporadoras, construtoras e empresas do setor imobiliário que não fazem parte do sistema financeiro, impondo a elas a obrigatoriedade de lavrar escritura pública. O provimento foi amplamente criticado por criar distinções sem amparo legal e por representar um retrocesso no processo de desburocratização.
Em dezembro de 2024, o STF julgou o Mandado de Segurança nº 39.930, proposto por entidades do setor imobiliário, e decidiu que é legal a formalização da alienação fiduciária por contrato particular, mesmo para empresas fora do sistema financeiro.
O relator, ministro Gilmar Mendes, destacou que a interpretação do CNJ era indevida, pois a própria Lei nº 9.514/97 já prevê o uso de instrumento particular com efeitos de escritura pública, sem distinguir entre tipos de contratantes. Para o STF, a norma legal deve ser aplicada de forma ampla, e não restritiva.
A decisão reafirmou que a alienação fiduciária é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento econômico e não pode ser limitada a determinados setores. Ao afastar a exigência de escritura pública para empresas privadas, o STF corrigiu uma distorção e garantiu a correta aplicação da legislação vigente.
A flexibilização promovida pelo STF traz impactos extremamente positivos para o setor tais como a redução de custos, mais agilidade, acesso ampliado ao crédito, segurança jurídica e, maior competitividade.
Para que os efeitos da decisão do STF se concretizem plenamente, é essencial que os cartórios de registro de imóveis se adaptem à nova realidade. A recusa no registro de contratos particulares em desacordo com o entendimento do STF pode gerar insegurança jurídica e atrasar transações legítimas.
Corregedorias dos Tribunais de Justiça e órgãos reguladores precisam orientar os cartórios e assegurar a uniformidade na aplicação da decisão em todo o território nacional.
Nesse novo cenário, contar com uma assessoria jurídica especializada em direito imobiliário é essencial. A correta redação dos contratos, a verificação de requisitos legais e a interlocução com os cartórios são tarefas que exigem conhecimento técnico e atualização constante com a jurisprudência.
Empresas, investidores e incorporadoras devem estar atentos para garantir que suas operações estejam seguras juridicamente e alinhadas com as novas diretrizes.
A alienação fiduciária é um dos instrumentos mais eficientes para a concessão de crédito com garantia real no Brasil. A decisão do STF de afastar a obrigatoriedade da escritura pública para sua formalização representa um avanço concreto na desburocratização do mercado imobiliário, alinhando o sistema jurídico aos princípios da livre iniciativa, da economia de custos e da celeridade processual.
Esse entendimento corrige uma distorção criada por interpretação administrativa e devolve ao setor privado a liberdade contratual conferida pela Lei nº 9.514/97. O resultado é um mercado mais acessível, eficiente e seguro para todos os envolvidos nas transações imobiliárias.
Advogado Victor Ferreira Ciríaco